quarta-feira, 29 de abril de 2009

Ê Xangô!


Ê Xangô!


Domingos de Souza Nogueira Neto


Japinha jeitosa
De tez arrozada,
Ê Xangô!

Que passa cheirosa,
bonita lavada,
Ê Xangô!

Não olha pro nêgo,
Ralando na obra,
Ê Xangô!

Batendo no prego,
Com a mão calosa,
Ê Xangô!

Rei de Oyó,
Marido de Oyá,
Caô Cab’ic'lê!

Seu filho criado,
Na chama sagrada,
Precisa do cê!

Quando chega o dia,
Da roda de samba,
Ê Xangô!

Onde o nêgo dança,
É filho do fogo,
Ê Xangô!

Japinha estremece,
S’entrega sem guerra,
Ê Xangô...

E hoje esquenta
A rede do nêgo,
Caô Cab’icilê!

Ê Xangô!


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Desenvolvimento sobre imagem in http://www.girafamania.com.br/
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terça-feira, 28 de abril de 2009

Borboleta


Borboleta

Domingos de Souza Nogueira Neto

Velha folha de papel
cai da janela do meu flat.

Vento alça em remoinho.





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IMAGEM: Dragon
in http://apronsandhammers.blogspot.com/
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sexta-feira, 24 de abril de 2009

Zona


Zona

Domingos de Souza Nogueira Neto


Eu sempre gostei dos bordéis, bordel não, zona, daquelas que chamam de baixo meretrício. Têm daquelas em que as mulheres se sentam num banco, longo, esperando a hora que vai entrar um homem para uma trepada rápida. Gosto também daquelas outras, em que você espera num quarto de paredes descascadas, pátinas, deitado aflito na cama rangedeira, até entrar a puta, ligeiramente obesa, com celulites, e aquele perfume adocicado, que não sai depois. Mas a minha preferência é por aquelas que têm um juke box meio torto no fundo, tocando boleros que soam a vinil, onde as mulheres vestem chita, e se sentam nas mesas em grupo, num laissez-faire que esconde tão bem a aflição. Sei do machismo, da exploração, de tudo, sou até solidário. Mas naquela mesinha no canto, com Amado, Vinicius e Neruda, sou meu dono, e não me importo.
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FOTO: Erotic Vintage 1890

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Samurai


Samurai

Domingos de Souza Nogueira Neto


O rio levantado pela tempestade,
Levou arrastados filho e a mulher,
E o samurai perdeu a potestade,
Pois dos trajes não quis se desfazer.

A honra o impedia do desnude,
E petrificado como estátua rara,
O homem feito para a luta rude,
Perdeu entre dedos quem amava.

Usando espadas, lança, armadura,
Que bela estátua, que nada desvirtua,
Convencionada para a honra pura,
Tudo perdeu para não ver-se nua.
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terça-feira, 21 de abril de 2009

Deus Mínimo


Deus Mínimo

Domingos de Souza Nogueira Neto


Não no universo, horizonte ao longe,
E nem tampouco assim dentro de ti,
Mas na divisão de tudo o que existe,
Pelo passado e o que está por vir.

Procurar-me no que é grandioso,
Onipresente, onisciente, onipotente,
É apenas o modo tedioso,
De que se vale o homem para ter-me em mente.

Para acharem-me procurem por um átomo,
O mais fugaz do breve espaço-tempo,
E na menor partícula de que é composto,
Estará aí a sombra do meu rosto.

Do pó ao pó, foi sempre o que eu disse,
E isto mesmo foi que quis dizer,
Não no eterno, mas no breve átimo,
Caberá ao homem enfim me haver.
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Imagem in http://menteabsurda.blogspot.com/


segunda-feira, 20 de abril de 2009

Chama Negra


Chama Negra

Domingos de Souza Nogueira Neto


As chamas negras dos dois lados da calçada, lembranças que me vinhan frias, seu corpo semi-nu estendido ao meio, o seio esquerdo levemente solto, fugindo lânguido da janela do vestido rasgado, mas já não havia tempo. Haviam as chamas, empalidecendo a noite, lembrei-me das pernas em torno das minhas, debatendo assustadas no entrevão das chamas, e do sangue, tão escuro e doce. Da boca, o fio, sempre o fio, prenúncio do silêncio. Ah sim, as chamas negras e estreitas nos abraçavam no momento. Os olhos arregalados, doces, me pedindo perdão pela escuridão havida, depois, parados, longíquos, tornados em vidro no convergir das chamas, além do tempo. As pernas bonitas, mal postas, escapavam do caminho de outra sina, e, cabelos, sempre longos, espalhados no chão, e eu, me indo, entre as chamas negras, te deixando em quadro de mais uma história.

domingo, 19 de abril de 2009

Branca


Branca

Domingos de Souza Nogueira Neto


Jazia Branca em pé na beira da estrada,
nua de sensualidade areia fria dissipada,
o sol da noite fletido e refletido em nada.
Parei o carro e Branca aguardou sentada,
Quem era? aonde ia? manteve-se calada,
Seguimos então sem rumo a caminhada.
Brancos os cabelos, olhos e boca molhada,
Pois em vida cáustica havia sido alvejada,
Lábios entreabertos calma, ali, esvaziada.
Em silente e nua liberdade enclausurada,
Branca em meu carro mantinha-se pelada.
Sina de homem e mulher, fatal cantada,
E a Branca acedeu em fado conformada.
Outro carro circulará nesta elíptica jornada,
e encontrará Branca por lá, alma gelada,Bloco de texto
E sobre minha sede, terra branca dissipada,
oculto o corpo no volteio de areia espalhada.


Imagem: Desenvolvimento sobre trabalho em
http://petragaleria.wordpress.com/
Flores Secas e Sementes - 2008 - 20×30cm - Acrílica sobre madeira.

(Dry Flowers and Seeds - 2008 - 20×30cm - Acrylics on wood.)

sábado, 18 de abril de 2009

Leda

Leda

Domingos de Souza Nogueira Neto

O peso das plumas,
sobre a pele de seda,
escondia nas brumas,
outro engano de Leda.

Imagem: Leda e o Cisne, Rubens
In: O espaço da irmã da Alma